20 de novembro de 2006

É a Língua Portuguesa um interesse estratégico?/The strategic role of Portuguese language

Na visita que efectuou a São Paulo, no Brasil, nos dias 6 e 7 de Novembro, o Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, teve oportunidade de conhecer o Museu da Língua Portuguesa (website here). Inaugurado em Março deste ano, o museu já é o mais visitado do Brasil, atraindo alunos e eruditos, além de turistas do Brasil e de países africanos, como Angola e Moçambique. Além disso, é o único do mundo dedicado especificamente a uma língua.

O Museu da Língua Portuguesa ocupa três andares da Estação da Luz (uma das principais estações de São Paulo, construída em 1901, e um dos cartões de visita da cidade), numa área total superior a quatro mil metros quadrados, o que representou um investimento de 37 milhões de reais (13,7 milhões de euros). O Museu da Língua Portuguesa é o resultado de uma parceria entre IBM, Petrobrás, Rede Globo, Instituto Vivo, Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, Votorantim e Eletropaulo, com realização e apoio da Fundação Roberto Marinho, Fundação Calouste Gulbenkian e Governo do Estado de São Paulo.

Contudo, no interesse da harmonia e unidade linguística, a filosofia inerente à concepção do museu evita uma questão básica: saber se o domínio sobre a Língua Portuguesa pertence, em última instância, ao país onde ela nasceu (Portugal) ou à imensa ex-colónia onde ela é mais falada (o Brasil). Num quadro de globalização competitiva, em que a língua é tomada como instrumento de interesse estratégico, é fácil reconhecer o desequilíbrio existente entre os dois países: o Brasil tem mais de 185 milhões de habitantes e Portugal apenas 10 milhões.

Em 1996, o Brasil e Portugal juntaram-se a cinco países africanos, ditos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) para fundarem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP website here). Em 2002, Timor-Leste obteve a sua independência e juntou-se à CPLP. Ao escolher o português como língua co-oficial (a par do tétum), o povo timorense salvaguardou e afirmou a sua identidade face à Indonésia e à Austrália. O português foi também designado língua oficial da Organização da Unidade Africana (OUA website here) graças à CPLP, mas os líderes desta pensam que se pode fazer mais e esperam que o Brasil lidere o processo. O Brasil parece ter compreendido a mensagem e avança num quadro de liderança, ainda que discreta, da Língua Portuguesa, tanto a nível nacional (com a criação do referido museu) como a nível internacional (veja-se, por exemplo, o envio de professores de Português para Timor-Leste).

Inspirado, ou não, pelo modelo do Museu da Língua Portuguesa (a Ministra da Cultura de Portugal, Isabel Pires de Lima, afirmou tratarem-se de duas “realidades semelhantes”), o Estado português pretende avançar com a criação do museu Mar da Língua Portuguesa. O museu Mar da Língua Portuguesa – Centro Interpretativo das Descobertas ocupará os três mil metros quadrados do actual Museu de Arte Popular, na zona de Belém, em Lisboa. As obras devem ser iniciadas em 2007 e custarão cerca de 2,5 milhões de euros, suportados em partes iguais pelo Orçamento de Estado e por fundos comunitários através do Plano Operacional de Cultura. O museu Mar da Língua Portuguesa entrará em funcionamento em 2008 e pretende atrair também turistas nacionais e estrangeiros, bem como o público escolar.

O futuro museu quer realçar o facto de o português ser o sexto idioma mais falado no mundo enquanto língua materna, com cerca de 220 milhões de falantes. Ultrapassam-no o chinês (850 milhões), o inglês (425 milhões), o hindi (400 milhões), o castelhano (390 milhões) e o árabe (272 milhões). A língua que mais pessoas utilizam no mundo, independentemente de ser ou não a sua primeira língua, é o inglês. Calcula-se que seja falado por 1.500 milhões de seres humanos.

Para além de ser a língua oficial ou co-oficial de oito países de quatro continentes, o português é também a língua de comunicação de doze organizações internacionais, nomeadamente da União Europeia, UNESCO, MERCOSUL, Organização dos Estados Americanos (OEA website here), União Latina, Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI website here), Organização de Unidade Africana (OUA), União Económica e Monetária da África Ocidental, idioma obrigatório nos países do MERCOSUL e língua oficial da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC website here), organização que integra a maioria dos países africanos do hemisfério sul.

No 6.º objectivo (designado “Papel Activo de Portugal na Construção Europeia e na Cooperação Internacional) do Plano de Implementação da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (website here), que é um projecto de modelo mais sustentável da sociedade portuguesa entre 2005 e 2015, pode ler-se no vector “Internacionalização da Língua Portuguesa como língua estrangeira estratégica no contexto da globalização”:

- promover o reconhecimento da língua portuguesa como língua de trabalho das organizações internacionais e regionais;


- garantir e/ou favorecer, de maneira continuada, permanente e sistemática a presença dos criadores portugueses em grandes acontecimentos internacionais, das Exposições das Artes Plásticas aos Festivais das Artes do Espectáculo, passando pelas Feiras do Livro, por exemplo;


- colocar os teatros nacionais e demais unidades de produção artística do Estado nos circuitos internacionais das artes, em termos de acolhimento, mas também de exportação da produção própria;


- estimular processos de internacionalização de negócios que associem projectos de cooperação, culturais e desportivos na esfera da responsabilidade social e desenvolvimento sustentável das empresas e, em particular, no âmbito do mecenato;


- criar mercado internacional para os produtos culturais em Língua Portuguesa;


- colocação estratégica de leitores e formadores de Língua Portuguesa;


- ampliação da oferta de conteúdos e serviços na Rede, nas áreas de promoção do ensino/aprendizagem do Português Língua Não Materna;


- utilização dos Centros de Língua Portuguesa também como pólos de divulgação cultural.

De uma maneira geral, mas não muito coordenada, tem cabido e caberá ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD website here) e ao Instituto Camões (IC website here), ambos tutelados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, bem como ao Ministério da Educação (ME website here) e ao Ministério da Cultura (MC website here), a concretização dos objectivos supracitados.

Adiante-se ainda que à China, país em plenas ascensões económica, militar, científica e cultural na cena mundial, foi concedido pela CPLP o estatuto de observador, visto a Língua Portuguesa ainda gozar de estatuto oficial em Macau.


Perante o exposto, ainda é pertinente colocar uma interrogação no interesse estratégico da Língua Portuguesa a nível mundial, mesmo que esse interesse seja partilhado - de forma pouco cooperante, acrescente-se - por Portugal e Brasil? Cada um dos países terá as suas razões e os seus interesses na promoção e difusão da língua. Resta saber se ambos irão unir-se na defesa dos interesses pelo menos comuns ou se irão divergir nas políticas e acções perante um mundo caracterizado por um fenómeno de uniformidade que se chama globalização.